No romper da aurora,
Fixo o olhar no horizonte,
O sol rasga, lentamente, as nuvens
E prolonga-se a sonoridade
Do macaréu da costa ocidental africana!
E agora, na diáspora?
Não me peçam explicações…
Poderei não saber responder,
Muito menos explicar
O que se passa na mente dos homens
Da minha terra.
O não saber explicar,
É igual a não compreender.
Explicar razões das coisas
Requer conhecê-las,
Entendê-las,
Compreendê-las
E eu, que não entendo nem compreendo
Certos homens da minha raça!
Nem os porquês de kakrismos[1] exacerbados,
De tantas sublevações ridículas.
Tantas ganâncias, tolices e brutalidades,
Adjetivos que ofuscam a perceção
Das coisas na minha Pátria Amada.
Por isso, não me peçam explicações no presente.
– Diz o povo que o futuro, a Deus pertence.
Um dia falar-vos-ei
Da mansidão dos pelicanos à beira-mar,
Contrastando com o verdejar dos mangais do rio Cacheu,
Do ritmo dos tambores, balafons,
Tínas, koras, cikós[2]…nas noites de luar,
Da beleza da mulher guineense,
Do serpentear do estuário de saltinho,
Da brandura do rio Geba,
Das águas límpidas das praias
De Varela, Bolama e Bubaque.
Falar-vos-ei
Do sabor da manga verde com sal,
De vinho de palma e de cajú,
Do prazer de jogar futebol
Debaixo da chuva grossa,
Do cheiro da terra molhada.
Di kuntangu di siti ku kombé,
Brindji di bagri di Cacheu[3].
Falar-vos-ei do carnaval da minha terra,
Da cultura Bijago, Manjaca, Balanta, Felupe…
Falar-vos-ei da importância de setembro
Para o meu povo.
Falar-vos-ei, com doçura
Da terra que me viu nascer,
Também da hospitalidade do meu povo
Disso, sim entendo,
Compreendo,
Valorizo
E orgulho-me
Autor: Emílio Tavares Lima
[1]Kakrismo – seguidismo (uma analogia entre a sociedade como uma espécie de cefalópodes existente na Guiné-Bissau, uma espécie que não se contenta em puxar o seu semelhante para baixo, quer sempre mais…).
[2] Tambores, balafons, tínas, koras, cikós…são instrumentos musicais Guineenses.
[3] Di kuntangu di siti ku kombé, Brindji di bagri di Cacheu – São pratos típicos da Guiné-Bissau.